quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Haiti - entrevista ao Dr. Pedro Miguéis
Vale a pena ouvir o Dr. Pedro Miguéis sobre as crianças do Haiti.
"As Dores do Tempo" por Nuno Nabais
Segunda-feira, Novembro 12, 2007
"As Dores do Tempo"
Foi nas Jornadas do ESCA "Escola e Clínica (Pro)motores de Bem-Estar: Como lidar com a Depressão e Exclusão na Criança e no Adolescente", que pude assistir à comunicação do Prof.º Nuno Nabais. Neste espaço coube o pensamento filosófico, um contributo fundamental. Absorvi, ou pelo menos tentei absorver o máximo desta comunicação.
A doença é uma experiência do tempo, existindo uma dimensão histórica: as doenças têm a sua história própria: o seu início, desenvolvimento e desfecho. Introduzir o tempo como constituinte significa simbolizar o tempo como o modo como nós inscrevemos instantes nele da eternidade.
O sofrimento tem uma condição temporal, o que torna possível retirar às dores do tempo a dimensão temporal para a considerar parte da condição humana.
Na experiência temporal podemos caracterizar os seguintes tempos:
- Tempo binário: tempo do antes e do depois, tempo da espera/tempo do demasiado tarde
- Tempo ternário: é um tempo complexo; tempo onde se distingue o passado, o presente e o futuro; pressupõe a construção de duas experiências completamente novas: processadas através da memória e da imaginação (o futuro sendo aquilo que está para fazer).
Para uma criança, o tempo do passado e a imaginação do futuro são difíceis de construir.
Por sua vez, o tempo ternário supõe o tempo a um tempo ou tempo unário – tempo do presente – que se manifesta exuberante, onde só o presente está, monótono, que não tem ritmos, onde não há oscilações, nem antecipações/nem o demasiado tarde. O tempo do presente é o mais paradoxal, o único tempo real, o único tempo que existe é o tempo dos encontros, das partilhas. O tempo do presente remete-nos ainda para qualquer coisa de gratuito, é-nos oferecido, estamos sempre neste tempo, sendo a única forma de tempo que habitamos e em que estamos sempre lá. O tempo presente com presente é ainda ambivalente, tem uma dimensão espacial, opondo-se ao ausente. O presente é ainda aquilo que já foi (passado) e o que ainda não é (futuro). Por último, o tempo presente também comporta o eterno, p.ex quando queremos designar o eterno e o divino utilizamos o presente do indicativo como tempo do verbo (Deus é eterno), assumindo aqui uma conotação de ambivalência, pois o que é intemporal revela-se no presente, que portanto, se conjuga com o eterno.
O tempo binário e o tempo ternário são formas do tempo, como se de uma moldura se tratasse e onde se inserisse o tempo.
- Tempo a quatro tempos ou tempo quaternário é o tempo do conteúdo do tempo. Neste tempo podemos distinguir os acontecimentos que nos acontecem, admitindo tais conteúdos três dimensões: dimensão do possível, dimensão do necessário, dimensão do impossível.
Estas quatro tempos ajudam-nos a pensar “as dores do tempo”.
A fenomenologia do tempo introduziu um tema novo na Reflexão do Homem. Só temos para além do corpo uma alma porque somos seres do tempo, uma vez que se só vivêssemos num ritmo biológico seríamos somente corpo. O que faz do corpo uma existência “almada” (com alma) é o facto do corpo se produzir e apreender no tempo, o nosso corpo tem psique. Adquire-se o sofrimento da alma, as dores do tempo.
Podemos mencionar quatro dores fundamentais do tempo:
No tempo unário, tempo do presente inscreve-se a experiência do aborrecimento, do tédio.
No tempo binário, tempo do antes e do depois inserem-se as experiências da espera infinita, do desespero (deixar de esperar, deixar de ter expectativas, incapacidade de investir na ocasião: certamente ter chegado demasiado tarde e desistir da acção).
No tempo ternário, temos a dor como arrependimento, o remorso, fixação num passado que alastra a nossa alma e a cristaliza numa instância do passado que invade o presente e o futuro.
O tempo quaternário confronta-se com os conteúdos possível, necessário, impossível – dor da impotência, tudo acontece sob o registo que escapa à nossa vontade; as coisas acontecem na conversão do impossível, do inevitável necessário, da incapacidade do agir e da incapacidade da resposta – experiências de irritabilidade; permanente resposta à frustração.
Podemos dizer que as “dores do tempo” são os lugares da invenção da condição do tempo naquilo que somos. Mas podem também ser lugares de descoberta e de felicidade.
A nossa aprendizagem do tempo não opera por alargamento, não havendo derivas de um tempo para o outro, a forma da sua constituição ocorre em paralelo, isto é, nem sempre é sistemático.
O tempo da narrativa, a arte de contar histórias, é o lugar onde as quatro dimensões do tempo acontecem em simultâneo na experiência da narrativa. Aliás a história pode mesmo estar condensada na estrutura ternária da frase: sujeito, predicado, complemento do verbo, constituindo só por si este facto o paradigma da relação agente/oponente. Na mais simples aprendizagem de uma frase, uma criança p.ex. depara-se com conflito e desfecho, estando todos nós a apreender um enredo.
Uma segunda dimensão do tempo feliz é a experiência da exuberância do presente – a dimensão da reinvenção do presente. O presente tem nele contido o dom, aparece-nos como oferta. Há quem possa argumentar que oferta estabelece uma relação de troca (expectativa e obrigatoriedade da retribuição), de consumo de bens e, no fundamental a troca não é o paradigma.
Em que medida é que podemos transformar o presente em lugar de dom de oferta, ou seja, em oferta gratuita e partilha autêntica? O que é que constitui o ponto de base de vinculação entre os seres humanos?
Sem dúvida que a experiência fundadora da comunidade humana é a do dom. No dom aquilo que damos é tempo, é o momento entre o momento de dar e o de receber. O que constitui a experiência do dom, em oposição à troca, é o tempo que o outro tem para pensar naquilo que nos vai dar, é o tempo de espera. Não se trata do objecto mas sim do tempo. E desta forma, o presente assume um lugar de dádiva.
A terceira e última dimensão do tempo é a dimensão da reinvenção do possível. Vivemos rodeados de factores que não podemos controlar, inclusivamente não podemos controlar o Outro.
O Outro é aquilo que se está a introduzir na minha vida, a presença do Outro na minha vida. A pluralidade de Outros fazerem parte da existência de cada um. Aquilo que torna possível o meu possível, como acontece na experiência de enamoramento, o Outro passar a ser parte da minha vida, da minha casa, dos meus dias introduz e confere uma dimensão “almada” e feliz.
Texto de Resumo da Intervenção do Prof.Doutor Nuno Nabais na Jornada Organizada pelo ESCA sobre "Depressão". Texto realizado por Maria João Pingarrilho, em http://como-aguarela.blogspot.com
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Um Sonho Libertador
Posso contar-lhe o sonho que tive? Não podia fazê-lo com mais ninguém, perturbou-me tanto…!
Sabe, ao contrário de outros que tenho tido ultimamente, não o vivi com angústia. Fico até preocupada, não me senti nada culpada, até fiquei furiosa quando acordei! Parecia que queria ter ficado lá…
Sonhei que quando saí do trabalho não tinha ido para casa. Em vez de, atrasada como sempre, largar o escritório a correr com um aperto no peito a pensar no L. que estava à espera no infantário, permaneci com toda a calma do mundo, como não me lembro desde sempre. Estava um nevoeiro agradável e percorri o Chiado a olhar para as montras. Comprei um livro sem sequer pensar se estava a gastar mal o dinheiro. De seguida entrei numa perfumaria e encontrei o meu perfume preferido, o meu cheiro! Do tempo em que namorei com o A. Sabia que o C. não ia gostar mas nem sequer me preocupei…nem tão pouco com o que iria “ouvir dele” acerca de “gastos fúteis”. (Afinal os miúdos precisam comprar roupa de Inverno e os poucos extras vão todos para a casa de campo que há anos estamos a construir. Claro, a maior parte do dinheiro vem dos meus pais, mas não lho atiro à cara, às vezes penso que devia fazê-lo…)
Mas continuando o sonho, telefonei ao C. e disse-lhe que não ia jantar. Ele ficou em pânico, perguntou-me quase aos gritos sobre o que se estava a passar comigo e o que é que iria dizer aos miúdos!? E eu desliguei. E atirei com o telemóvel para o primeiro caixote do lixo que encontrei! (estranho, gosto tanto dele, foram os meus sogros que mo ofereceram no último aniversário do meu casamento!) Mas sabe o que foi mais estranho no sonho? Ao olhar para uma montra vi a sombra de T., o meu colega de Universidade que se metia comigo de uma forma tão atrevida! (chegava mesmo a incomodar-me, ficava furiosa comigo mesmo quando corava). Então, entrei na sua sombra e deixei-me ir. Não sei para onde, apenas sei que quando acordei, estava a sorrir… (C. nem acreditava que era tão tarde e que eu não tinha ouvido o despertador!! Os miúdos estavam atrasadíssimos e ele também…!)
Foi mesmo estranho!
Procurei que M. pensasse no(s) sentido(s) que encontrava no que acabava de descrever.
Que eventualmente criasse pontes com a última sessão. Dizia-me ela então:
- Gosto de C., foi o único homem da minha vida e é o pai dos meus três filhos. Mas ultimamente tenho-me estranhado a interrogar se com outro homem também estaria a olhar para a televisão sem nada para dizer ao fim destes dezasseis anos de casamento? Fora os de namoro…
Não lhe disse como é óbvio o que me ia no pensamento quando me despedi uma vez mais dela. Lembrava-me de Freud quando aludia ao sonho como a “realização alucinatória do desejo”.
Álvaro Ferreira (publicado na Pais & Filhos - Jan 2010)
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