quarta-feira, 7 de maio de 2008

Um luto implica perder a esperança



Álvaro Ferreira, é psicólogo clínico e psicoterapeuta, trabalhando como assistente hospital de Psicologia Clìnica. Aceitou o desafio de nos ajudar a entender o sofrimento de ver um filho desaparecer.


ISABEL STILWELL
É possível fazer um luto, enquanto ainda se alimenta esperança de encontrar uma criança?

Não! Como todos dizemos, “a esperança é a última a morrer”. E para se fazer um luto – não patológico - é preciso perder a esperança do filho estar vivo.

Os pais ficam eternamente «presos» ao desaparecimento?

Há uma parte de si que irremediavelmente desapareceu. Todos os pais (não doentes) o sabem ou pressentem. E a clínica demonstra-o. Assim, continuarão “com a vida”, se forem suficientemente fortes para lidar e pedir ajuda face às suas fragilidades. Caso contrário “morrerão em vida”, ou por outras palavras, ficarão psicologicamente doentes.

Ambicionamos ser capazes de proteger os nossos filhos de uma forma omnipresente. Quando não o conseguimos, instala-se a culpa?

A criança é um ser vulnerável demorando muito o processo de autonomia. O primeiro dever dos pais é o de a proteger. Esse elo de responsabilidade perdura para sempre. Qualquer mal que lhe aconteça é sentido com enorme culpabilidade, que não poderá confundir-se com “culpa jurídica”.

Pai e a mãe fazem lutos de formas diferentes. Há casais que se separam na sequência da morte ou desaparecimento de uma criança?

É comum a separação do casal na sequência de problemas graves que ocorram com um filho. Ao contrário de unir, a dor da perda poderá reactivar as diferentes formas de defesas psicológicas que cada um possui. E independentemente da possibilidade de responsabilizações mútuas o desaparecimento do filho representa a falha individual, mas também a de casal. Sair da relação poderá ser a fantasia do “começar de novo”.

Os irmãos de crianças destas crianças, tendem a sentir-se ignorados?

Uma criança precisa de ser sentida como a mais importante do mundo aos seus olhos. Se assim acontecer os reequilíbrios emocionais vão dar-se. Porém, existe frequentemente uma grande “raiva” (muitas vezes contida e não percebida pelos outros) pelo irmão que o retirou do “centro do mundo”.

A necessidade que muitas pessoas parecem ter de, como no caso de Maddie, tornar os pais nos maus da fita, é uma forma de dizerem «os pais são maus, por isso têm o que merecem, nós somos bons, por isso os nossos filhos estão seguros?»

Muito antes de serem considerados por alguns como os possíveis “assassinos” – remetendo para provas judiciais - já seriam porventura os “assassinos do descuido”, por muitos mais. Os julgamentos em “praça pública”, curiosamente com flutuações bruscas e inesperadas (estes pais tiveram das maiores ondas de solidariedade que se conhece), representam muitas vezes a possibilidade e necessidade de colocarmos nos outros os nossos grandes medos. Desde logo o de sermos ou não bons pais. E de nos defendermos emocionalmente do inesperado e do estranho.

Somos capazes de perceber os sentimentos reais das pessoas pelas suas expressões faciais?

A ciência tem tido no seu percurso grandes mudanças, nomeadamente nos modelos teóricos. Ainda hoje há uma enorme influência do positivismo do séc. XIX, nomeadamente na crença que tudo é possível provar e descrever “objectivamente”. Conhecer o Outro é perceber a sua dimensão única e particular. Pretender reconhecer sentimentos pelas expressões faciais (entre outras metodologias que já foram igualmente utilizadas) é uma forma perigosa e cobarde de dizermos que não podemos ou não sabemos chegar à compreensão do ser humano. E a nossa história está repleta destes abusos da(s) pseudo-ciências(s).

Bilhete de Identidade

Nome: Álvaro Ferreira
Profissão: Psicólogo Clínico/Psicoterapeuta
Cargo: Assistente Hospitalar de Psicologia Clínica

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