segunda-feira, 28 de julho de 2008

Deonilde

Deonilde

Deonilde vive o dia a dia. Sobrevive dia a dia. Não sonha em cada dia….

- Já disse para te deitares! Amanhã levantas-te cedo. Depois é que são elas! Digo-te sempre o mesmo..!

O filho parece não acreditar no seu cansaço. Pelo ralhar contínuo ou porque não entende o seu desespero?

- Já tão tarde e ainda tanto para arrumar, maldito T1 que parece crescer…!

Na verdade só no que toca ao trabalho. De resto, todo ele parece, em versão mais feia, a arrecadação da casa que vê na novela antes de adormecer. Ah, hoje pelo menos vai vê-la, o marido, no turno da noite, não a irá incomodar com o seu hálito rançoso..!

Amanhã vai ao médico, uma vez mais um rol de queixas…se ao menos ele olhasse para ela, parece já duvidar das suas dores, por todo o lado e sem se verem!

Deonilde não sonha em cada dia…

- Sr. Dr., dói-me tudo, parece que cada vez estou pior…; foi o meu pai, depois a minha sogra, agora o meu marido. Na verdade nem posso falar mal dele, verdade seja dito nunca me bateu. Ai, Dr., mas o que faço com estas dores? E aquele miúdo, não sei a quem sai, ninguém lhe põe a mão. O pai nunca está, ou, então, ai de quem lhe interrompa o futebol mais a maldita cerveja…ai Dr., acordo mais cansada do que quando adormeço, dê-me qualquer coisa para as dores…ai. Dr., ai Dr……

Deonile sobrevive todos os dias…

Das nove às cinco à secretária, o trabalho é muito e pouco ganha. Quando está para sair há sempre tarefas inadiáveis. O patrão, de gravata em riste, é homem de poucas falas. Até hoje não lhe perdoa ter ficado de baixa aquando da morte do pai – tristeza não é doença, isso é mal para ricos..!, vociferava anafado e escarlate.

Deonilde está cansada todos os dias….

Em casa começa novo turno de trabalho. “Pica o ponto” às seis, quando vai buscar o filho à escola. – o teu pai bem podia por as cuecas no cesto, e tu, já tens idade para fazeres qualquer coisa!
Ao menos hoje pode ver a novela em paz, ele foi ver o futebol p’ró café, espera que venha já com ela a dormir….

Deonilde sobrevive(u) mais um dia!

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